As delações premiadas de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da PETROBRÁS, e Alberto Youssef, apontado como “doleiro” de um esquema de corrupção, podem influenciar, de modo decisivo, o resultado das eleições presidenciais de 2014?
O seu conteúdo, ainda sob segredo de justiça, vem sendo devassado através de várias reportagens, que, se não dão detalhes, apontam para um possível esquema de desvio de dinheiro da maior empresa brasileira para partidos políticos, campanhas eleitorais e o bolso de várias pessoas.
As delações – depoimentos de acusados ou indiciados em processo penal, que têm o direito constitucional ao silêncio – poderão ser considerados para os que vão decidir, nas urnas, o futuro do Brasil. Também serão levadas em conta, como meio de prova, nos diversos processos criminais, instaurados e por instaurar, contra não se sabe quantos, diretores e funcionários da estatal, políticos e outros funcionários públicos e para dirigentes e empregados das empresas contratadas.
Qual o valor jurídico da delação premiada, segundo a Constituição Federal e as leis vigentes?
A delação premiada, prevista em vários dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro, é o prêmio, com a redução da pena, perdão judicial ou substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, em troca da traição.
A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que definiu organização criminosa, estabelece que, além do perdão judicial, poderá ser reduzida a pena de prisão em até 2/3 ou ser substituida por restritiva de direitos. Há condições. Outros benefícios, como a suspensão do prazo para o oferecimento da denúncia e o arquivamento do inquérito, poderão ser concedidos.
Essa é a lei que teria levado Paulo Roberto e Alberto Youssef a tentarem livrar-se das consequências de suas condutas, ou pelo menos minimizá-las.
Se há lei, parece claro que tem valor jurídico. Nem sempre. Só vale a lei que estiver em harmonia com a Constituição Federal.
O advogado que defendia Youssef, Antonio Carlos de Almeida Castro, Kakay, abandonou a causa, por discordar da aceitação da delação. É advogado ético e respeitado.
O Supremo Tribunal Federal, mais cedo ou mais tarde, vai se defrontar com o tema da inconstitucionalidade da delação ou colaboração premiada. O nome é o que menos importa.
A delação premiada se compatibilizaria com o respeito à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental, do art. 1°, III, da Constituição Federal?
Dignidade é o valor intrínseco da pessoa, próprio de sua essência, maior que qualquer preço, insubstituível, porque o HOMEM É FIM, não um meio. É um valor absoluto, uma qualidade absoluta, o único valor absoluto. Hoje é um valor jurídico, constitucionalmente protegido.
A Constituição Federal erigiu a dignidade como PRINCÍPIO FUNDAMENTAL, pilar da construção do Estado, da Sociedade, do Direito. É Princípio estruturante, norma fundamental, imperativa e vinculante de todo o sistema. A dignidade é a unidade de valor da ordem constitucional, de todos os direitos fundamentais. É paradigma das liberdades e dos direitos fundamentais, gema original de todos os direitos fundamentais, parâmetro dos direitos implícitos. A dignidade limita o Estado e a Sociedade, e, portanto, o Ordenamento, que devem RESPEITÁ-LA. A dignidade impõe ao Estado e à Sociedade, ao Direito, a sua PROMOÇÃO.
A delação é a traição, a perfídia, rompe a relação de confiança e é moralmente reprovável por toda a sociedade. É um desvalor, é aética, em todas as sociedades. O CP considera a traição uma qualificadora do homicídio, e agravante genérica. O delator é infamado, é indigno, é desqualificado, perdendo o respeito, pois que se despe de um valor, a lealdade. Ao delatar, o homem se desvaloriza, tornando-se menor do que o preço pago, o prêmio. Ao vender-se, o homem se transforma em mercadoria, em coisa, negociando com a própria torpeza, a delação, fato repugnante, abjeto. Logo, a lei não pode promover a delação, uma indignidade, pois a NORMA FUNDAMENTAL manda RESPEITAR E PROMOVER A DIGNIDADE.
A lei que premia a deslealdade, a delação, a traição, fere o princípio, pois transforma o homem delinquente em coisa, premiando uma conduta indigna. O agente do delito não perde a dignidade. A pena criminal quando lhe é imposta não fere a sua dignidade, pois tem o fim ético de sua inclusão social, é reprovação socializadora, pelo fato cometido. O prêmio pela delação não visa à inclusão social do delinquente, antes lhe impõe marginalização pela reprovação moral da sociedade. Reduz o homem delinquente em meio de prova, objeto, coisa, dando-lhe preço. É, por tudo, inconstitucional.
O direito que ameaça com pena e oferece perdão pela delação do co-autor é chantagista, desleal e aético. O Estado que compra a deslealdade do homem agride sua dignidade, reduzindo-a, na verdade. Dignidade é como honra, tem-se ou não se tem. Não se trata de um simples princípio constitucional, é um princípio FUNDAMENTAL, ou seja, um dos pilares da construção do Estado, da Sociedade e do Direito, ou seja, é UM PRINCÍPIO ESTRUTURANTE DO ATUAL ESTADO. PORTANTO, é um principio que VINCULA o funcionamento de todo o sistema. Decorre DESSE PRINCÍPIO ESTRUTURANTE, a preservação da dignidade do agente do delito, com propósito de inclusão social. Ora, como preservar a sua dignidade, se a lei o insta a DELATAR, a TRAIR? A lei fere, pois, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Apesar de tudo, a delação premiada está prevista em vários preceitos de leis ordinárias em vigor. Recentemente, recebeu, do legislador, uma denominação menos estigmatizada: colaboração premiada.
O tema é complexo, intrincado. Difícil, mesmo. Não há soluções simplistas.
Se vai ter peso decisivo para o resultado das eleições, não se sabe.
Mas, tudo indica que cada vez mais, no dia-a-dia dos casos criminais, os órgãos da persecução penal (Polícias e Ministérios Públicos), vão cada vez mais procurar obter delações premiadas.
É até mais cômodo. Não será preciso investigar. O delator se transforma, na prática, em indispensável auxiliar do investigador. Vale a pena estudar o assunto.
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Ney Moura Teles é advogado, formado, em 1984, pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP. É professor licenciado de Direito Penal do UniCEUB (Centro Universitário de Brasília). Ministrou as disciplinas de Direito Penal I e Direito Penal III. É autor de “Direito Penal”, publicado originalmente pela LED – Editora de Direito, e depois pela Editora Atlas, e adotado em inúmeras faculdades de Direito do país. Foi professor na Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, na Escola Superior de Magistratura do Distrito Federal e no Instituto Processus, em Brasília.
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