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Ney Moura Teles

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A CONSTITUIÇÃO NÃO PROÍBE A PRISÃO PREVENTIVA DE PARLAMENTAR

A quase totalidade dos juristas afirma que a CF não permite a prisão preventiva de parlamentar, mas, tão-somente, a prisão em flagrante de crime inafiançável. Penso que não é essa a interpretação correta da nossa Carta Magna. Vejamos.

A respeito de prisões, a Constituição Federal traz, no art. 5º, inciso LXI, a principal norma que contém o preceito geral, alcançando a todos os cidadãos, indistintamente: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciaria competente…”.

Essa norma geral destina-se a todos os cidadãos brasileiros, detentores ou não de mandato eletivo. Ao mesmo tempo que assegura direitos, a norma constrói duas modalidades de prisão: a) prisão em flagrante delito; e b) prisão determinada por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciaria competente.

A segunda hipótese alcança, é óbvio, as prisões cautelares, ditas processuais, a preventiva e a temporária, e também a prisão decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Esta norma vale para todos os cidadãos brasileiros.

A mesma Constituição, porém, construiu exceções a essa regra geral, como, por exemplo, as seguintes.

Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5, LXVI), que diz respeito, exclusivamente, às prisões em flagrante.

Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (art. 5, LXVII), que trata de prisão não penal, nem processual penal.

Quanto às prisões de natureza processual penal (preventiva e temporária) – antes da sentença penal condenatória transitada em julgado – a Constituição Federal contempla uma única exceção, no art. 86, 3º:

Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

Ou seja, a Carta só proíbe a prisão preventiva ou temporária do Presidente da República, permitindo, porém, a sua prisão quando transitar a sentença penal condenatória. E somente lhe assegura a imunidade à prisão processual porque é ele o Chefe do Estado brasileiro. A ninguém mais a Constituição conferiu essa prerrogativa.

Tivesse sido a vontade da Constituição a de proibir a prisão preventiva dos parlamentares, teria, necessariamente, construído norma semelhante a essa, alcançando-os. Não o fez, porque não quis lhes assegurar a imunidade à prisão processual.

Quanto aos parlamentares, a única exceção prevista na Carta é a do § 2º do art. 53, que proíbe a prisão em flagrante de crime afiançável.

Ou seja, essa norma constitucional cuidou, exclusivamente, da prisão em flagrante.

Não tratou, portanto, da hipótese de prisão decorrente de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Isto é, não cuidou das outras modalidades de prisão, como a prisão preventiva, a prisão temporária e a prisão decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado.

Os que entenderem que essa norma alcançou toda e qualquer espécie de prisão, terão, necessariamente, que dizer que o parlamentar condenado definitivamente não poderá ser preso, se se tratar de crime afiançável.

Em outras palavras, segundo essa interpretação, o parlamentar, mesmo condenado com sentença transitada em julgado, somente poderia ser preso se se tratasse de crime afiançável. É óbvio que isso seria absurdo magistral.

A vontade da norma constitucional do § 2º do art. 53, portanto, é a de, simplesmente, não autorizar a prisão em flagrante de crime afiançável. Nada mais.

E por qual razão?

Porque para a proteção do mandato parlamentar basta, e é suficiente, que se assegure, ao parlamentar, o direito de não ser preso em flagrante de crimes menos graves, os afiançáveis. Mas, determina que serão presos em qualquer hipótese de flagrante de crimes muito graves, ou seja, os de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os crimes hediondos. Tal prisão, todavia, poderá ser relaxada pelo voto da maioria dos membros da casa a que pertença o parlamentar.

A norma, portanto, não quis se referir à toda e qualquer espécie de prisão, nem a toda e qualquer espécie de crime, mas, tão-somente, à prisão em flagrante e aos crimes que a própria Constituição considera inafiançáveis.

Por essa razão, a prisão preventiva pode, sim, ser decretada contra parlamentar. E por que?

Porque a prisão preventiva, como medida cautelar, destina-se a assegurar a eficácia do processo penal. O parlamentar que estiver prejudicando a instrução criminal – de processo por qualquer crime, afiançável ou não – pode, sim, ser preso, preventivamente, desde que a necessidade da prisão esteja devida e motivadamente justificada, e por decisão da autoridade judiciária competente.

O mesmo ocorrerá quando sua liberdade estiver, efetivamente, causando danos à ordem pública ou à ordem econômica. E também quando estiver em perigo a aplicação da lei penal.

Imaginar que o parlamentar não pode ser preso preventivamentecomo garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal – significaria autorizá-lo a continuar cometendo crimes, prejudicando a instrução do processo, coagindo testemunhas, juízes, peritos, destruindo provas, fugindo ou promovendo a fuga de indiciados e acusados.

Dizer que o parlamentar não pode ser preso preventivamente é, por exemplo, aceitar que ele possa cometer o crime do art. 343, CP – corrupção ativa de testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete – ou o do art. 344, CP – coação no curso do processo – sem qualquer risco de ser preso, seja em flagrante, porque são crimes afiançáveis, seja preventivamente.

É isso que a Constituição quer? Assegurar ao parlamentar, por ser parlamentar, o direito de cometer crimes?

É óbvio que não. A Constituição não contém normas que permitem a prática de crimes.

Se o Procurador-Geral da República postular, com provas concretas da existência de, pelo menos, uma das circunstâncias autorizadoras descritas no art. 312 do CPP, a prisão preventiva de qualquer parlamentar, seja ele Presidente da Câmara ou do Senado, nada impede, a meu ver, que o STF a decrete.

Ney Moura Teles é advogado, formado, em 1984, pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP. É professor licenciado de Direito Penal do UniCEUB (Centro Universitário de Brasília). Ministrou as disciplinas de Direito Penal I e Direito Penal III. É autor de “Direito Penal”, publicado originalmente pela LED – Editora de Direito, e depois pela Editora Atlas, e adotado em inúmeras faculdades de Direito do país. Foi professor na Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, na Escola Superior de Magistratura do Distrito Federal e no Instituto Processus, em Brasília.

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